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RELATO DOS ARTISTAS

FOTOGRAFIAS DE MIGUEL CHIKAOKA

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quando a alma se deixa capturar por um clique

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  • @teatrododesassossego

Artista-pesquisadora, diretora e cenógrafa de teatro. Professora Titular da UFPA (aposentada), mestre e doutora em Artes Cênicas pela UFBA, com pós-doutorado em Estudos Culturais pela Universidade de Aveiro, Portugal. Para além do campo das cênicas, busca atravessamentos entre Arte e Psiquê atuando com a Clínica do Sensível em seu Programa Poética Criatura na função de artista-psicoterapeuta em processos de criação e pesquisas em arte. Seus procedimentos clínicos operam com o esquizodrama, a escuta sensível, a clínica da palavra e os Fóruns Grupais. Atua como criadora cênica no Grupo Cuíra do Pará, na KaliCi Produções e no Coletivas Xoxós e administra o Teatro do Desassossego - Laboratório de pesquisas artísticas, além de ser desenhista do Coletivo Brutus Desenhadores.

"Sou Wlad Lima, 59 anos, mulher de teatro da cidade de Belém do Pará, Amazônia. Ao ser convidada pela Kamara Kó Galeria para fazer parte da equipe de curadoria da exposição O Teatro Paraense 80/90, eu não fazia a menor ideia que, ao aceitar esse convite, estaria iniciando uma jornada alquímica de transmutação de minha alma.

 

Ao imergir nos arquivos fotográficos de Miguel Chikaoka – sem dúvida o mais importante fotógrafo cênico da história do teatro contemporâneo da Amazônia Paraense dos anos 80 e 90, do século XX – fui comovida pelas imagens capturadas pelo seu olhar. Ao “me mover com” os atos fotográficos de Chikaoka, me foi revelado não só minha própria história teatral - principalmente como atriz, função mais vivenciada naquelas duas décadas -  mas também a potência do fazer teatral da cidade de Belém em suas experimentações e manifestações poético-políticas. 

 

O recorte proposto para a exposição O Teatro Paraense  80/90  – creio ser propício evidenciar ainda nesse início de texto que o arquivo fotográfico de Miguel Chikaoka é potência pura, pois é muito abrangente, tanto no tempo como nos temas focais de sua câmera – deixa evidente vários aspectos que nos ajudam a construir uma leitura conjuntural dessas duas décadas: primeiro,  a importância da existência de  políticas públicas voltadas às artes na presentificação do Teatro Experimental do Pará Waldemar Henrique, resultado de uma década de reivindicações das categorias artísticas do estado, principalmente dos teatreiros, na figura pulsante do grupo Cena Aberta, em especial de seu criador Luís Otávio Castelo Branco Barata, que passou toda a década de 70 nas ruas e praças da cidade sendo o porta-voz não somente dos pleitos da categoria, como das mais apuradas críticas frente à conjuntura nacional de uma ditadura militar entre tantas que assolavam nossa América Latina; e segundo, o Waldemar Henrique - para nós, íntimos e apaixonados, o Waldeco – por ser um palco experimental de ampla magnificência, ser o berço da maior efervescência já materializada em experimentações nos diferentes campos da linguagem cênica, tanto no teatro quanto na dança e na música. Além disso, o palco experimental fez emergir no contexto paraense algumas manifestações emergentes: o teatro de animação, o teatro de pesquisa e, vigorosamente, o teatro de grupo – bem diferentemente do que entendíamos como grupo de teatro nessa região da Amazônia Oriental.

Depois de “curar” uma grande amostragem realizada em primeira instância pelo próprio fotógrafo, quero me arriscar a testemunhar o que mais está contido, pulsando sob meu olhar de curadora, nos arquivos da Kamara Kó Galeria para além da exposição O Teatro Paraense 80/90, que vocês terão o prazer de fluir. Para que meu risco fique bem traçado, formulei uma questão com o objetivo de disparar, tanto nos apreciadores do trabalho singular desse artista, quanto nos artistas-pesquisadores em formação ou por vir na nossa UFPA, via PPGArtes, novos devires: que potências, multiplicidades, estão contidas no arquivo fotográfico de Miguel Chikaoka? Se essa pequena série de fotos de Miguel Chikaoka, per si – digo pequena porque as 50 imagens selecionadas para essa mostra é uma parte ínfima frente à potência de todo o acervo no que tange ao teatro – já nos leva a devir outras potencialidades, o que dirá o arquivo teatral completo? Deixo que minha intuição, meu devaneio, minha imaginação ativa, assumam o processo de “cura”, curadora, curadoria, para dançar no coração do arquivo.

Vislumbro nossos mortos... O arquivo é cheio da memória viva de muitos atores e atrizes,  homens e mulheres que fizeram do teatro suas vozes. Intuo que antes dessa exposição trazê-los à cena, estavam como desaparecidos de nossos corações: Marialba Silva, Oscar Reis, Luís C, André Genú, Luís Otávio Barata, Beto Paiva, Samira Same, bem como, a nossa mais recente perda, o ator e diretor, José Leal (Zecão) e “muites outres”; corpos metamorfoseados em vida. Acredito que reverenciar nossos mortos e seus feitos em arte, justamente, nesse atormentado atravessamento pandêmico é revitalizante em nossas insurgências políticas sempre convocadas.

Vejo todo um traçado das engrenagens experimentais do teatro experimental colocadas concretamente em práticas cênicas que dispararam o surgimento do teatro contemporâneo paraense. Miguel Chikaoka, como um flâneur, perambulou por todos os cantos do Teatro Waldemar: em seus bastidores, em seu mezanino, atravessando os palcos, sempre “liberados” por todos nós, na certeza que junto com ele, sob seu olhar investigativo, fazíamos a historiografia de nosso teatro.

Se quisermos cartografar a vida de inúmeros grupos de teatro, os trajetos singulares de nossos encenadores, atuantes, toda a gama de criadores de cena como cenógrafos e iluminadores, temos tudo isso, em potência, nos arquivos de Miguel Chikaoka.

Nos tempos em que uma ameaça ditatorial paira sobre nossas cabeças, tempos de genocídios, o arquivo de Chikaoka pode nos iluminar revelando as táticas e estratégias políticas contra a censura que outrora vivemos, e que precisaremos sempre rever, sempre e sempre, para que não nos esqueçamos que “resistir é preciso!", “Unimo-nos para lutar e vencer!”. Prezo que esse legado seja compartilhado agora - via exposição O Teatro Paraense 80/90 - com “todes os filhes des filhes” do Teatro Experimental, a teatrália do hoje, para que saibam que lutamos, resistimos e que fizemos  do nosso amanhã, o hoje de cada um de vocês, e que, estando ou não aqui, no plano carnal, nossas almas estarão eternamente comprometidas com nossas lutas poéticas, éticas e políticas. #FORABOLSONARO."

maio de 2021

WLAD LIMA

atriz, pesquisadora e curadora convidada

Projeto contemplado com o Edital Multilinguagens - Lei Aldir Blanc Pará

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